[Albergue Espanhol]


«Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo (...), feira cabisbaixa, meu remorso, meu remorso de todos nós...» {Alexandre O'Neill}

sexta-feira, junho 23

Desabafo longo

Um dos problemas da discussão em torno dos incêndios florestais, é a facilidade com que alguns bitaiteiros têm opinião formada, e definitiva, sobre o tema, como aliás sobre a crise em Timor, o melhor onze da selecção nacional, a lagarta do pinheiro, ou, se for preciso, sobre a influência da geada nas leguminosas. São o que se podia chamar polivalentes ou jogadores universais. Valem uma fortuna no mercado. Há exemplos que vão da Manuela Moura Guedes ao Paulo Gorjão.
Qualquer tentativa de racionalizar o debate é rechaçada, eles sabem tudo de tudo, num paradigma de arrogância sem paralelo.
É óbvio que ninguém pode garantir que não vai haver grandes incêndios, ninguém o fez. Só mesmo se Paulo Gorjão fosse MAI é que o assunto ficaria definitivamente resolvido. Infelizmente, o País não optou por essa via. Aliás, tais personagens caracterizam-se pela cobardolice mais rasca, preferindo o bitaite à contribuição para a resolução do problema.
O que se tem dito - desde o ministro da Administração Interna que temos ao Presidente da República que temos - é que o País está hoje melhor preparado do que no passado.
Nos três dias em que lavrou o célebre e terrível incêndio de Barcelos, de 4 a 6 de Junho, registaram-se em Portugal 762, repito 762 ocorrências de fogos florestais. O País só ficou a conhecer o de Barcelos (e, todavia, em Barcelos, no dia 4 de Junho, rebentaram mais 12, repito 12 incêndios). Porquê? Pela simples razão que os outros 761, repito 761, foram apagados na intervenção inicial. Porque em muitos deles, como determina a Directiva Operacional Nacional para 2006, os meios aéreos ligeiros e médios foram utilizados para os apagar. Um claro fracasso, claro, para os teóricos polivalentes. Ponto que deve ser sublinhado, caso alguém acho isso relevante, claro: no incêndio de Barcelos não ardeu nem uma casa de habitação.
No ano passado, é bom que se saiba, houve dias em que em Portugal houve mais de 500 ocorrências. Ora, com 500 incêndios por dia, não há dispositivo que garanta que haja meios suficientes para acorrer em todo o lado. A não ser que o País entenda, pode fazê-lo, que todos os seus recursos financeiros sejam afectados a este combate, mas julgo que nem o Gorjão iria tão longe.
Os técnicos indicam que os meios aéreos ligeiros e médios não têm nenhuma utilidade para o combate a incêndios em grande escala. São úteis para transportar brigadas helitransportadas para os fogos nascentes e procederem a um primeiro ataque com água- e têm-se revelado muito úteis (mais de 98,5% dos fogos deste ano foram apagados nessa primeira intervenção).
Qualquer especialista que Gorjão ou outro consulte lhe explicará que muitas vezes, naqueles casos, de incêndios alargados, a grande maioria da água lançada por esses meios aéros ligeiros e médios nem sequer chega ao solo. Evapora com o calor. Como parece acontecer com a inteligência de alguns dos bitateiros de Portugal. Reconheço que a ideia da colher de chá e da lareira está um pouco gasta. Podemos utilizar outra: imagine-se o Gorjão a cuspir para a lareira. O efeito devia ser similar.
Os meios aéreos pesados, designadamente os célebre Canadair, esses sim, podem ser úteis, nalgumas circusntâncias, em ataques ampliados. Portugal dispõe de 2, alugados, que são os únicos disponíveis no mercado europeu (embora se vá avançar para a aquisição de aviões pesados. Chegaram a Portugal no dia 11, antecipando de alguns dias a sua chegada, prevista para o final deste mês). No fim do mês chega para testes um avião russo, o Beriev, que vem cumprir uma série de testes para se saber se, no âmbito da aquisição dos aviões pesados pelo Estado português, constitui uma alternativa válida aos Canadair.
O que pessoas responsáveis deviam fazer em Portugal era fazer pedagogia. Explicar que a crendice popular de que os fogos se apagam do ar não passa disso. Essa bonita ideia não tem qualquer validade científica. Zero, nicles. Mas isso para os gorjões de Portugal é uma irrelevância, estragam os bitaites tão bem arrebitados.
Para um político, perante este tipo de situações, existem duas opções, só duas: ou cede ao populismo, à pressão popular, à pressão dos media, em particular das televisões. Ou não. Mantém a estratégia, assente nas opiniões de todos os especialistas e cientistas, até que lhe provem que, tecnicamente, essa solução está errada.
Vai haver incêndios? Vai haver concerteza. E, se registarem picos de ocorrências, haverá certamente grandes incêndios, porque a primeira intervenção não chegará a todos. E lá virão os gorjões, excitadíssimos, explicar que falhou tudo. É que eles vivem disto.

||||| Escrito por dm :: 7:45 da tarde :: 1 Comentários




quinta-feira, junho 8

Francisco

Estou muito, mas mesmo muito, contente com a atribuição do prémio da APE ao Francisco José Viegas.
Primeiro, por ser inteiramente justo. Longe de Manaus, como o anterior Lourenço Marques, é um magnífico livro.
Segundo, porque sou um grande admirador do Francisco e da sua obra, desde que, já lá vão tantos anos, li o Crime em Ponta Delgada e, com ele, descobri as maravilhosas ilhas de brumas, essa paixão comum.
Terceiro, porque gosto muito do Francisco, meu amigo, compadre, cúmplice.
Quarto, porque nunca me poderei esquecer que uma das noites da minha vida - que recordo com um carinho imenso - foi passada em Chaves, num terraço da casa dos pais do Francisco, numa noite quente de Verão, a beber cidra muito fresca e a conversar, conversar, conversar.
Quinto, porque o Francisco ajudou-me sempre a descobrir coisas que valem a pena ser descobertas.
Sexto, porque se não fosse o Francisco nem o Albergue Espanhol era o que é.

||||| Escrito por dm :: 3:22 da tarde :: 1 Comentários